segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Andarilho

Amena está a noite e o som de risos
Enche-me a alma de doce satisfação.

Ah, bom é estar entre amigos,
E esquecer a estrada que, a todo instante,
Chama-me com voz velada, cheia de promessas…

Apazigua-te, alma vagabunda!, que muito tempo tenho, ainda,
Para andar sobre a poeira destes caminhos!

Vem, Lua, te embebeda comigo!, que meus ouvidos estão prontos para os teus segredos! Muito também tenho para te contar…
Não! Não devo me aproximar de ti!
Por hora, não… Primeiro descansarei.
Beberei vinho e, com ele, lavarei o corpo do pó que trago
De minhas andanças e que clama por novas aventuras.

A brisa leve que murmura boas vindas me aquece as entranhas
E, embriagado pelo morno sopro deste vento, que me beija os lábios,
Entro para ficar junto dos meus.
Na volta dos devaneios, sou recebido com um caloroso abraço.
Eles bem o sabem…

Separação

Teu silêncio violenta o ar, tão acostumado estava aos teus risos e a tuas histórias.
Uma estranha névoa paira em teus olhos.
A branca Lua fita teus lábios e se surpreende em encontrá-los mudos.
Espantada encontro-me com a tristeza rara que espelha teu corpo.
Recusaste o vinho. Evitas falar, permanecendo num mutismo inquietante.
Tola, tola que sou! Mal me apercebi que teu olhar ansioso mira a estrada escura e parece entretido com algum ponto obscuro que nela te chama a atenção.
Sinto-me exangue ao deparar com a verdade que se desnuda à minha compreensão. Entristecida, reconheço a tua liberdade e para que te impedir?
Tem-se algum prazer em ver cantar um pássaro engaiolado?
Em silêncio, procuras meus olhos e quando neles vês o entendimento sem mágoa, me devolves um olhar manso, de calado companheirismo.
Ao nascer do sol, um cavalo descansado estará à tua espera
E nos despediremos, sem palavras, apenas com um aceno.
Tudo será breve, para que não teimem em aflorar sentimentos impróprios.
Deles não necessitamos, porque grande distância ou saudade muita não serão suficientes para diluir o que vivemos.
Junto com os pensamentos, leva um beijo meu e guarda-o enquanto doce parecer aos teus lábios!

Para Li Po

Desce o sol ao oeste e a poeira levantada por cascos de cavalos,
à distância, lembra-me de ti.
Por quais estradas perambulas, meu amigo?
Ah, segues levado sempre pelo capricho dos passos
e o mundo é tua morada…
Diga-me, aventureiro, não te cansas de andar sem rumo?
Não há horas em que tua alma implora pela volta aos velhos vales,
Onde as colinas são amigas e o vinho, sempre companheiro?
O que buscas em tuas andanças, espadachim vagabundo?

A brisa que balança os galhos dos salgueiros sussurra levemente
E me confidencia que procuras o berço da amada Selene
para repousar, então, o descanso infinito em seus braços.

Mas porque percorres grandes distâncias em busca daquela que, aqui,
toda noite vem te visitar e chora tua ausência?
Toda noite aqui está ela, perdida num sem fim de pontos luminosos,
esperando a tua chegada.
Serão diferentes as luas que banham de luz tuas trilhas, agora desconhecidas?
Ou caminhas tanto por mágoa de nunca poder possuir plenamente a bela dama noturna – a Lua – tua amante mais fiel?
Quisera eu que tivesses te esquecido dela e, cansado do tédio da vida, andasses apenas por prazer…
Mesmo que longe, saibas que teus amigos não te esqueceram e,
ao cair de toda noite,
Eu, a Lua e uma garrafa de doce vinho sempre te esperamos.
(Mesmo sabendo-o impossível…)

Lamentos

(I)
O vento bate forte contra o postigo,
através do qual miro as encostas escuras da montanha,
e parece rugir, querendo arrastar num vendaval furioso
todos os resquícios de pensamento…

Por que querer ficar se aqui não bate o meu coração?
Tormento meu… tão grande como o vendaval que ruge lá fora,
querendo trincar o seio da terra…

Que liberdade há na escolha angustiada?
Deixar-me levar pelas aventuras que clama o meu sangue de andarilho
ou ceder às mãos afetuosas que me enlaçam e aos olhos mudamente suplicantes?
Triste balança a minha sombra e pesa como se todas as decisões do Império estivessem sobre os meus ombros…

Por que há sempre uma lágrima a chorar? Por que, mísera alma, queres aquilo que não podes possuir – a plena satisfação de todos os desejos?

Sombria deve estar a noite, ao leste das pedras cinzentas da muralha.
Lá, os ecos da paixão diluem-se em fragmentos de esperança, que querem resistir…
Devo estilhaçar estes restos e jogá-los ao vento como grãos de areia?

Chorem, espíritos da noite!
Lamuriem-se aos quatros cantos do Império!
Derramem as mágoas por mim,
Que já não posso sofrer mais por não possuir duas almas!

(II)

Ah, águia, que lindo é teu vôo livre e audaz pelo espaço aberto!
Vem, amiga!, carrega-me nas asas para o refúgio seguro de teu ninho!
Leva-me para a tranqüilidade dos altos picos…

Lá, por certo, não haverão de incomodar as sombras das lembranças,
Nem mesmo recordarei a amargura da indecisão…

(III)

Não há nada que eu queira dizer…
Não cabe em mil palavras o que me descompassa o coração.
Impossível que não vejas em meus olhos o quanto é doloroso partir
para longe de tua ternura.
Anda! Corre e te esconde para não me ver sumir na curva da estrada!
Queima meus escritos, se assim preferir…
Grita teu desprezo para que os ecos repitam-se colina a colina,
até fugirem do alcance dos ouvidos…

Mas não me olhes deste jeito, não supliques a permanência de quem,
em pensamento, já não está aqui!

Bem sei quanto é amargo todo amor que não se pode consumir até o fim,
até o último lampejo de chama!

Mas creia-me, que motivos tenho para ir…
Eles me acodem em todas as horas de vigília e me atormentam o sono…

Longe de Changan

Entendes, como me é cara a liberdade de cansar os pés, em trilhas desconhecidas, sobre o pó que é o meu eterno companheiro?
Ah, como podes entender a febre contínua que me toma o espírito e me obriga a andar sobre este solo?
Pudesse ter mil ungüentos e milhares de oferendas para acalmar a tua dor!
Daria parte de minha própria paz para não ver esta mágoa que espelha teu pálido rosto…
Mas que faço? Não fui feito para sonos acomodados sobre esteiras aquecidas!
Entendes que ao mundo pertenço e que ele, somente ele, pode me dar a seiva farta para continuar vivendo?
Imploro-te, doce criatura, esquece este poeta, desvairado e inconstante, que não almeja outra coisa senão andar pelos destinos inconcebíveis desta terra imensa…

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Nova Ordem

De agora em diante
Estabeleço uma nova ordem de vida!
Desato, pois, as amarras, levanto a âncora e
Embarco sem data de volta.
À mão, um passaporte com validade indefinida...
Eu me torno navegante com minha própria bússola
E, para todos os mapas, assumo o timão.
Aos amigos requeiro atenciosamente
muitas cartas de saudação,
votos de boa viagem e orações para bom retorno
quiçá, convites para festas de boa partida...
Não há indícios de navegação turbulenta
Tampouco de temporadas de muita calmaria...
Há possibilidade de tufões, tempestades,
Rugidos de vento, ondas encrespadas, vendavais,
Mar bravio, ameaças de pirataria...
Mas meu coração é forte, minha alma é selvagem,
E, em todos os trajetos, os astros serão guia...
Levo, pois, alguns guardados,
Um pouco de saudade,
Um pequeno baú com ternas memórias,
E, deste lugar, restos de boa aragem sob a lua...
Um beijo... um beijo a todos que ficam no cais!
De algum lugar, eu mando mensagem!

Dor

Marguerite Duras tem um livro (seria um conto?) chamado A Dor. Nunca o li. Mas o título sempre me intrigou. De que dor falaria ela para traduzi-la tão grande ao público? Uma dor de perda? De remorso? Culpa? Ódio?
Até há pouco, não havia tido nenhuma dor assim, tão grande e pessoal. Ainda não experimentara esse sentimento tão fundo e cheio de vazio... é uma presença tão forte que dói no corpo. Curva as costas, altera o rosto, muda as feições... Me olhava no espelho e não me via. Era outra mulher. Velha, pesada e lenta. Uma centenária cheia de... dor!
E a dor também refletia ali. Entre as pernas, onde me tomou um frio poderoso. Frio de morte – morte como ausência. Saudade antecipada? Não, ainda não era. Antes a lembrança dolorosa de quem jamais haveria de contemplar vivo novamente. Ali, entre as pernas de outra mulher, começara minha vida. Agora, a vida me levava uma parte de mim que existia em outro corpo ou, antes, uma parte de outro que me fizera e me habita nos meus genes, no meu jeito, no meu polegar esquerdo.
Essa herança vai permanecer em mim, compactar-se na integridade do meu ser, integrar-se no meu universo interior. Sou resultado dessa parte de mim – meu pai – e agora só posso visitá-lo em minha memória. Ainda que traga boas lembranças e isso torne a dor menor, não há como encher o vazio. Ele vai ficar ali, reminiscência, como prova inconteste de minha história: sangue e carne, pensamento e afeto.
Assim como vai ficar a lembrança dela à beira da caixa de madeira, não tão forte, não tão sóbria: frágil, enrugada, grisalha... tão terrivelmente humana que também dói e eu a quero suspender nos braços e levá-la até ele, como se pudessem transpassar todas as dimensões e superar todos os limites para se encontrarem novamente por um instante e, enfim, se compreenderem como amigos, parceiros e amantes. Gente. Minha gente.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Felix, meu gato

Meu gato – de negro pelo e branca tez – me dá vida e fôlego.
Dia desses, a ansiedade me cutucando as costelas, o ar pesando como serragem em meus pulmões... gato Félix me fez pousar ao seu lado na cama grande e macia.
Com o próprio corpo fez apoio para descansar minhas pernas trêmulas de tensão e sua branda mão colocou sobre meu peito.
- Respire... vamos... devagar. Não é preciso ter pressa.
Meus olhos ardiam de tensa expectativa, o suor umedecia minhas costas e eu sentia o peso agudo do medo descendo sobre meus ombros.
Os olhos do meu gato Félix me fitavam firmes com uma calma tão profunda que comecei a me acalmar.
- Por que querer abarca o mundo em um segundo?
Sua pergunta me surpreendeu tanto que meu peito se agitou novamente e gato Felix voltou a pressionar a palma de sua mão sobre ele como para me lembrar que a grande tarefa naquele momento era respirar livre e calmamente como se não houvesse nada mais importante a fazer pela minha vida.
Ele se aproximou e encostou seu nariz morno em minha face.
- Aperte minha mão. Assim, com firmeza. Não com força. Agora, solte e volte a respirar... Outra vez... aperte e solte... devagar...
Seus olhos negros eram dois poços calmos e densos.
- Onde fui te procurar, gato meu?
- Certamente no mesmo lugar em que eu te procurava. – com um suspiro leve continuou – Também estava cansado de vagar e retornar sempre ao mesmo lugar...
- Mas eu te via antes em sonho e memória.
- Sim. Também você estava lá para mim. De alguma forma, descobriu o caminho que me trazia até aqui e aqui estou.
Sua expressão era tão terna que transbordou em meus olhos:
- Você acha mesmo que a gente já se conhecia?
- Não, mas a gente já sabia quem era – sua mão afrouxou o aperto e ele se aproximou mais, recolhendo o corpo para perto do meu.
- O cansaço acabou me mostrando o caminho até você...
- Cansaço? – perguntei
- É. Quando a gente desiste de pensar com a cabeça e deixa simplesmente a vida nos levar para onde devemos ir... a alma, solta, pode então buscar a benção que precisa...
- Amor? Você fala de Amor?
- E carinho, e amizade, e aconchego.
Seus lábios, esticados, alcançaram minha bochecha para um beijo leve, doce.
- Estive a vida inteira à sua procura – declarei.
Ele riu seu riso de gato: misterioso e cativante. Só faltou ronronar. Meu peito já descia e subia sem esforço, sem dor, sem agonia.
- E agora? – quis saber.
- Agora, a gente relaxa e dorme. Juntinho. E depois acorda e vê o que a vida preparou para a gente.
Com o braço livre, trouxe o cobertor sobre nós. Fechei meus olhos e mergulhei na doçura de um sono profundo.
Sim, eu havia sonhado com ele diversas vezes. No sonho eu sabia que ele era meu gato. Ele, embora ainda não me “soubesse”, antevia o encontro e, já preparado, vinha em minha direção. Era uma questão de tempo.
Embora parecesse demasiado longa, a espera, enfim, terminou.
Havia um novo desafio agora: se conhecer e se deixar descobrir.
Naquela manhã, meio ensolarada, mas fria, a minha crise de ansiedade proporcionou o momento mágico – decisivo – que revelou que estávamos certos. Sim, era um encontro e um grande início.
Hoje, quando olho meu gato Félix à meia distância, distraído do mundo e atento às suas coisas, recordo do calor do aperto de sua mão.
É essa memória que me aquece em suas ausências e me mantém, fortalecida, ao seu lado nos tempos mais sombrios e nas épocas mais frias. São caminhos de passagem, certamente. Ao fim de todos eles, voltamos a nos reencontrar, mas inteiros e felizes.

Parte de Mim

Ó metade de mim... ou parte de mim... Antes eu me imaginava um todo compacto – como a carne que abriga meus ossos: sólida, grande, consistente.
Nos passos do tempo que há pouco passou, avistei nova figura – algumas vezes diáfana, outras, espessa e intensa.
Hoje, entendo que sou um Todo que abarca muitas partes. Não há somente uma e outra metade. Há segmentos, resquícios, máculas, trilhas, caminhos, desvãos. E meu Todo, algumas vezes, se divide, se espelha em multifacetas.
Da parte, me torno Inteira e me inteiro novamente de todas as pequenas partes que me completam.
Me tomo e me assumo, assim. Muitas em uma: doce, firme, emotiva, contundente, incerta, risonha, decidida.
De tudo, só não me agradam essas aparas como restos secos de velhos brotos – não floridos – que compõem arestas agudas que, vez por outra, me cutucam na alma, me expõem feridas.
Então, me reúno, me questiono, me dôo e me curo: aos poucos, esses calos – aparas mortas – se soltam e se decompõem para germinar vida a outra parte.
E me recomponho mais forte, mais viva, mais rica. Experiência.
Que eu dê morte digna a tudo que deve deixar de existir em mim para dar espaço e vida, com alegria, a tudo que precisa nascer e crescer dentro de mim.

Uma e Muitas

Clarice Lispector dizia que Brasília não tem segredos porque não tem esquinas. O Campus também não tem, mas está repleto deles. Mas a sua condição de nascimento também foi diferente. Os primeiros traços de sua arquitetura atestam a certidão. Depois, as pernas, cruzando caminhos e diminuindo distâncias, e a necessidade realizaram o resto. Mas isso não tem a ver com políticos, como Brasília, porque o Campus reflete a alma da cidade onde habita.
Ele não tem ruelas brutas, forradas de pedras quadradinhas, que escalam morros e desandam junto com a água nas chuvas de verão, mas tem seus labirintos, construídos na planura de um terreno pantanoso, aterrado para ceder lugar ao projeto venturoso de uma educação para todos. Os caminhos serpenteiam conduzindo aqueles que não os conhecem para o lugar onde não queriam ir. Como sair do Hospital Universitário e ir para o Departamento de Matemática? Ora, passe pela Biblioteca, vá até o Básico. O Depto está logo ali, atrás, numa construção baixa. Cheia de corredores. Labirintos de salas e laboratórios. Ah, não se preocupe. Tem muita gente circulando. Alguém, mais adiante, vai indicar o caminho. Mas não tenha muita pressa. Esse Campus foi criado à semelhança dos antepassados dessa terra que só tinham a Ilha cercada por todo esse mar… Eles vieram de Açores, uma ilha pedregosa, com mar sempre muito agitado. Aqui tiveram de esquecer as recordações e aprenderam a entralhar redes e construir barcos para ir à pesca. E aprenderam um tempo de espera e um modo distintos de viver. Mas o Campus não tem toda essa calma de espera. O calendário que marca o tempo aqui também convive com prazos.
Aqui, dentro desse universo, existem muitas matizes, muitos sorrisos e muitas histórias diferentes. Seu tempo é buliçoso, seu espírito é múltiplo. Sua cara é brasileira, de olho claro ou preto, fronte larga ou estreita, nariz afilado ou largo. Tem a mistura de todos os tons e naturalidades. De Manaus a Angola, passando pela Itália ou Alemanha. E os sotaques, ao final (do curso? da vida?), passam a solfejar a sombra da sonoridade dos "xis" ilhéus. Aqui, habitam doutores, mestres, alunos, servidores? Aprendizes. Gaúchos, paulistas, baianos, matogrossenses, mineiros, brasilienses, bolivianos, peruanos, chilenos, angolanos, haitianos. Catarinenses. Açoritas. Ilhéus. Gente que aprende a amar o relevo irregular que conduz os morros para o espraiado da areia ou para a sombra úmida dos mangues. E come pirão com peixe frito, à beira d'água, nos bancos toscos dos restaurantes de filhos de pescadores. E caminha na avenida das rendeiras, observando o fiar de linhas, na almofada de bilro. Vá lá, tem o Costão do Santinho, mas isso já é outra história. Ó lholhó! O mundo tinha que descobrir essa maravilha!
E alguém imaginou que ali, atrás do morro da Cruz, neste terreno de chácara, alagadiço, poderia se construir uma universidade. Aqui, neste ponto de encontro (começo ou fim?) dos bairros Trindade, Córrego Grande, Pantanal, Serrinha, Carvoeira. A meio caminho de tudo. É só fazer uma curva - a quase um cotovelo de distância - e o Campus está ali, aninhado entre as residências - pobres, modestas, boas, ricas - e o comércio, sempre crescente. Afinal, é quase uma cidade… Uma população que precisa morar, vestir, comer, se divertir. Gente que estuda, que sonha, estuda um pouco, espera, estuda mais, pensa, que se transforma.
Ponto para encontro de muitas histórias de vida. A baiana que quer o título para ser professora, mas sofre com a saudade do acarajé e o cheiro de mainha. O africano, vindo da Nigéria, que veio para estudar e ficou para se tornar sócio em uma loja de colchões. O paranaense, geniozinho da informática, que veio sob recomendação do pai, se formou - engenheiro e mestre! - e não queria ir embora, mas o emprego em Curitiba pagava melhor. No entanto, não se conformou: comprou um apartamento pequeno, perto do Campus, para as férias de verão. Afinal, quem conhece bem a cidade, não precisa ficar à beira da praia… Também, sabe como é… Aqui, pertinho do Campus, é mais barato. Ah! A esposa, professora, também está estudando, ali no Campus. Curso de Doutorado. Vai e vem, vem e vai, quase toda a semana, nesta 101 cheia de perigos e esperanças.
Estrada que traz também um micro-ônibus da Unisul. E professoras para a pós-graduação. Uma psicóloga que mora em Florianópolis, dá aulas em Tubarão, e estuda no Campus. Duas educadoras, casadas, com filhos, residentes em Criciúma, atravessam os perigos da estrada para sentar no anfiteatro e assistir as aulas com outros trinta (quarenta? cinqüenta?) colegas da educação, da informática, da engenharia, do jornalismo, da psicologia. No intervalo, a pausa para o café é aproveitada para trocar idéias, traçar planos de profissão, confessar esperanças de vida. Entre um cafezinho e uma água, uma receita. De bolo? Não, uma dica para adiantar a dissertação. Uma luz para os que estão chegando agora ou ainda não aprenderam que a vida aqui também é de luta e esperteza. Esperteza honesta. Aqueles que guardam, temerosos, a informação no bolso do colete, terminam por descobrir o gosto amarfanhado de solidão nos cantos das salas ou nas cadeiras do bar. Não criam laços nem com o Campus nem com a vida daqui. Chegam e vão sós, apenas com um título no currículo e um diploma para guardar na escrivaninha da memória.
Esse clima de caras e idéias diferentes não alcança aqueles que nunca sentaram sob a sombra das árvores, no trajeto entre a Biblioteca e a Reitoria, para um dedo de prosa ou um descanso - sagrado! - entre uma aula e um seminário. Ali, do lado do Templo, de vitrais coloridos, na paz espessa de um espaço ecumênico aberto a todos, inclusive aos que não tem o credo em Deus Pai, mas acreditam na luz do conhecimento e têm esperança que a troca de idéias e criatividade possam nos conduzir à Luz. Como o físico, recém formado, que investiga partículas atômicas e se espanta, que maravilha!, com as iniciativas de vida que acontecem nos confins do Universo e aqui mesmo, sob o céu de todos os dias, no Campus, onde se descobriu e se revelou. Sofre agora, entre livros e artigos científicos, a dúvida do amor correspondido.
À mesma sombra, cálida no verão do meio dia, o professor de educação física aproveita o descanso para contar sua história bem sucedida. Ele e a mulher, quase titulados, é uma questão de tempo!, vão para Paris, mas querem voltar antes que o bebê nasça. A viagem, que não estava nos planos, foi bem vinda, porém muito menos do que o filho, há muito esperado.
Em outros bancos, num tempo de espera diferente, a moradora de Itajaí aguarda sua vez na fila do exame radiológico do Hospital Universitário e diz que agora está bem. O tratamento para debelar o câncer de pele, seguido à risca, têm surtido efeito. O resultado está na cara: a segurança de estar saindo do poço transparece em sua fisionomia e quase apaga as pequenas cicatrizes das cirurgias realizadas para extirpar os tumores. Depois de terminado o exame, é aguardar o carro da prefeitura que vem buscar também outras duas pessoas… Todos recebem acompanhamento médico e tratamento que não estão disponíveis no município onde moram.
Esses retalhos, pequenos recortes do cotidiano, vão se juntando a muitos outros, de diferentes cores e texturas, e formam o tecido muito espesso da história do Campus. Uma e muitas histórias.

Mensagens como cartas em garrafas

Esses textos de Ádina Mirza, pseudônimo de uma jornalista brasileira, transcrevem idéias, memórias e percepções que poderiam ser enviadas assim como mensagens breves em garrafas... Ao atravessar massas de água – rios, mares, lagos e oceanos virtuais –, essas mensagens buscam o encontro de outro Ser – “concordante ou discordante” – que, talvez, queria redigir também sua mensagem e jogar a garrafa de volta, lançando, nesse universo de bits, outras idéias, memórias, percepções...