Meu gato – de negro pelo e branca tez – me dá vida e fôlego.
Dia desses, a ansiedade me cutucando as costelas, o ar pesando como serragem em meus pulmões... gato Félix me fez pousar ao seu lado na cama grande e macia.
Com o próprio corpo fez apoio para descansar minhas pernas trêmulas de tensão e sua branda mão colocou sobre meu peito.
- Respire... vamos... devagar. Não é preciso ter pressa.
Meus olhos ardiam de tensa expectativa, o suor umedecia minhas costas e eu sentia o peso agudo do medo descendo sobre meus ombros.
Os olhos do meu gato Félix me fitavam firmes com uma calma tão profunda que comecei a me acalmar.
- Por que querer abarca o mundo em um segundo?
Sua pergunta me surpreendeu tanto que meu peito se agitou novamente e gato Felix voltou a pressionar a palma de sua mão sobre ele como para me lembrar que a grande tarefa naquele momento era respirar livre e calmamente como se não houvesse nada mais importante a fazer pela minha vida.
Ele se aproximou e encostou seu nariz morno em minha face.
- Aperte minha mão. Assim, com firmeza. Não com força. Agora, solte e volte a respirar... Outra vez... aperte e solte... devagar...
Seus olhos negros eram dois poços calmos e densos.
- Onde fui te procurar, gato meu?
- Certamente no mesmo lugar em que eu te procurava. – com um suspiro leve continuou – Também estava cansado de vagar e retornar sempre ao mesmo lugar...
- Mas eu te via antes em sonho e memória.
- Sim. Também você estava lá para mim. De alguma forma, descobriu o caminho que me trazia até aqui e aqui estou.
Sua expressão era tão terna que transbordou em meus olhos:
- Você acha mesmo que a gente já se conhecia?
- Não, mas a gente já sabia quem era – sua mão afrouxou o aperto e ele se aproximou mais, recolhendo o corpo para perto do meu.
- O cansaço acabou me mostrando o caminho até você...
- Cansaço? – perguntei
- É. Quando a gente desiste de pensar com a cabeça e deixa simplesmente a vida nos levar para onde devemos ir... a alma, solta, pode então buscar a benção que precisa...
- Amor? Você fala de Amor?
- E carinho, e amizade, e aconchego.
Seus lábios, esticados, alcançaram minha bochecha para um beijo leve, doce.
- Estive a vida inteira à sua procura – declarei.
Ele riu seu riso de gato: misterioso e cativante. Só faltou ronronar. Meu peito já descia e subia sem esforço, sem dor, sem agonia.
- E agora? – quis saber.
- Agora, a gente relaxa e dorme. Juntinho. E depois acorda e vê o que a vida preparou para a gente.
Com o braço livre, trouxe o cobertor sobre nós. Fechei meus olhos e mergulhei na doçura de um sono profundo.
Sim, eu havia sonhado com ele diversas vezes. No sonho eu sabia que ele era meu gato. Ele, embora ainda não me “soubesse”, antevia o encontro e, já preparado, vinha em minha direção. Era uma questão de tempo.
Embora parecesse demasiado longa, a espera, enfim, terminou.
Havia um novo desafio agora: se conhecer e se deixar descobrir.
Naquela manhã, meio ensolarada, mas fria, a minha crise de ansiedade proporcionou o momento mágico – decisivo – que revelou que estávamos certos. Sim, era um encontro e um grande início.
Hoje, quando olho meu gato Félix à meia distância, distraído do mundo e atento às suas coisas, recordo do calor do aperto de sua mão.
É essa memória que me aquece em suas ausências e me mantém, fortalecida, ao seu lado nos tempos mais sombrios e nas épocas mais frias. São caminhos de passagem, certamente. Ao fim de todos eles, voltamos a nos reencontrar, mas inteiros e felizes.
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
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