As pessoas
vivem reclamando da falta de tempo: tempo pra visitar uma velha amiga, pra
sentar e planejar uma viagem de férias, pra uma conversa por telefone com a
família, tempo pra viver... Mas parece que elas encontram tempo para todo o
resto, ou melhor, elas não têm tempo porque precisam fazer o supermercado todo
sábado, entre 18h e 20h, ou porque precisam cuidar de tudo para o marido e/ou
filhos, ou porque só elas sabem resolver tudo da casa ou então porque são muito
muito ocupadas mesmo, mal conseguem abrir seu correio eletrônico e se irritam
facilmente quando encontram uma lista de mensagens para ler, mesmo que seja de
amigos que, apesar da distância, querem se fazer presentes em suas vidas.
Tenho uma conhecida
que, toda semana, a despeito de qualquer coisa, separa uma ou duas horas para
escolher conteúdos bacanas (fotos, frases, ditados) e enviar aos amigos. E ela
faz porque gosta de fazer, porque gosta de estar presente – diariamente – na
caixa virtual de seus amados & queridos. Ela também escolhe notícias e outros
textos, alguns bem divertidos. Pelo que sei, não faz isso para impor sua
opinião, como entendeu certa vez uma sua amiga... Acho que ela quer dizer aos
seus preciosos quem é e como se posiciona. É como se conversasse remotamente,
dando um sinal de suas ideias, esperanças e sonhos. Sei que já foi mal
compreendida. Teve gente que pediu para ser retirada de sua lista. Ela o fez,
com muita presteza, aliás. Não vale gastar tempo e bytes com quem não quer interação,
especialmente, aqueles que se sentem ofendidos com a pretensa invasão de sua
privacidade virtual. Também me contou que, algumas vezes, quase se chateou com
o sentimento de ofensa de alguns. Afinal, eles eram ocupados, muito ocupados e
quem era ela para ficar mandando mensagens assim, a torto e direito? Claro:
alguém que não tem nada pra fazer! Não, ela vive só, mas tem compromissos, e contas,
planos e dores para tratar. Todos os dias. Como o resto da humanidade. Só que
faz parte da ‘humanidade’ dela querer manter a interação, o laço – como um aceno
de afeto – mesmo em épocas de pouco tempo.
Falando em tempo, lembro de um amigo para quem não tem mau
tempo... É cadeirante há mais de 20 anos e, calculo, sua rotina exige mais que
o dobro de esforço dos ditos ‘caminhantes’. Nele admiro bastante sua
determinação, suas buscas, seu sorriso aberto. Acho que ele é feliz, bem feliz.
Mas já o vi meio desanimado e cansado. Sem nunca posar de ‘vítima’. Isso mesmo:
nunca se fez de coitado. E garante mesmo que sua vida é muito boa, talvez
melhor mesmo do que antes desses 20 anos na cadeira. Claro que já o vi furioso
e indignado. Com as mesmas coisas que todos nós: a extorsão descarada dos
impostos, a má qualidade de vida nas cidades, o trânsito ruim, a falta de
educação crescente... Não lembro que
vê-lo reclamar da falta de tempo. Sei que cumpre uma rotina esportiva,
inclusive, pois já foi paraatleta: basquete e remo adaptado. E diante de
pequenas dificuldades para nós, caminhantes, se safa com galhardia. Já o vi
comentando, muito bem humorado, ao ter que aguardar numa fila: não se preocupe,
eu estou sentado... Disse isso a uma moça que, distraída, quis fazer gentileza
sem perceber a inutilidade do seu gesto, pois como ele mesmo insinuou, mais incômodo
era a situação para ela, parada, em pé, naquela fila imensa...
Acho que, no
final, estou mesmo me reportando às nossas prioridades e ao foco de nossa visão
que anda muito distorcido. Tenho uma conhecida que me promete há meses um café
em sua nova residência. No começo, insisti um pouco até por gosto muito dela,
queria mesmo conhecer seu cantinho. Agora, não. Não quero constrange-la ainda
mais. Não sei se o tão falado cafezinho se tornou um peso a mais em sua rotina
tão onerosa em tempo e paciência ou se ela acha que, para ser especial, tem que
providenciar um cenário charmoso: pães, doces, salgados, decoração, a casa toda...
Pena, então: ela não percebeu que a importância mesmo é do momento em si - o
encontro.
Dias desses,
em sentido contrário, tive um momento muito feliz. Durante visitinha a uma
pessoa conhecida, muito humilde, fui convidada para um café com ‘rosca’. Logo
imaginei uma rosca daquelas massudas e açucaradas ou então recobertas de
chocolate e confeitos – donuts? Não,
era uma rosca comprada pronta, aquelas sequinhas, que fazem estalido quando
partimos entre os dedos para comer aos bocados. Quase me frustrei, mas logo
lembrei: esse tipo de biscoito era uma iguaria em tempos passados. Além do bolo
caseiro, feito para a ocasião, o biscoito comprado na venda mais próxima era um
sinal franco do prestígio da visita. Uma pequena distinção ao visitante,
dispondo-se os donos da casa a gastar com biscoito ‘de fábrica’, como se dizia.
Lembrando disso, sentei diante da mesa singela e me fartei com o bom café,
fresquinho e forte, e meia dúzia de biscoitos estalando de novos, recém
retirados do pacote a vácuo. Entre um gole de café, um bocado de rosca e um
dedo de prosa, observei o tempo correr lá fora, pela porta da cozinha,
entreaberta, com vista para a praia. Na manhã fresca de outono, um casal se
esbaforia correndo pela areia fofa e um pescador caminhava lento pela beira da
água. Nesse momento, senti uma bola macia de pelos enroscar nos meus pés: o
gato da dona da casa não se fez de rogado, quis participar da conversa e
aproveitar o solzinho manso, ali mesmo, no canto da cozinha, justo por onde
entravam réstias da luz e da vida dos outros passantes, vivendo outras
histórias e sem tempo prum cafezinho...
Um texto para ler e reler. Um texto para nos inspirar a que os pequenos acontecimentos continuem a nos encantar. Por que? It's my life!!!
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